terça-feira, 22 de abril de 2008

IDENTIDADE - COSTUMES E CRENÇAS

Juntamente com a história dos ciganos trataremos com detalhes a vida e o dia-a-dia deles que tornam-se peculiar por não seguirem as tradições impostas nos países em que se instalam e vivem, e isso inclui o Brasil.

Ao contrário dos que muito pensam, os ciganos, apesar de viverem em acampamentos que são verdadeiras cidades e de formarem sociedades próprias, independentes do resto do mundo, não são simples andarilhos. Eles possuem uma história de vida, bandeira, idioma próprio (romanês) e carregam consigo uma gama de costumes e tradições. A origem milenar dos ciganos e o modo de vida que eles levam hoje, espalhamos por todas as partes do mundo, e adaptando-se, muitas vezes, a alguns costumes e religiões de cada região, bem como alguns dos grandes momentos difíceis pelos quais passaram ao longo de sua história.Há vários modos de vida para os ciganos. Alguns vivem em acampamentos, sobretudo em Estanca-Rios, enquanto outros residem em bairros sociais, em apartamentos e até em vivendas com boas condições de habitabilidade. O seu modo de vida está sobretudo direccionado para a venda ambulante em várias feiras. Contudo, outros dedicam-se à mendicidade ou estão dependentes de prestações sociais como o Rendimento Social de Inserção. A Câmara Municipal de Mirandela tem recebido inúmeros ciganos em Programas Ocupacionais do IEFP, sobretudo na área da jardinagem.O Abade de Baçal nas suas «Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança» dedica um texto aos ciganos no distrito de Bragança no tomo V. Segundo ele, aparecem pela primeira vez na Alemanha em 1417 donde se espalharam pelo resto da Europa. E quanto aos costumes, segundo os descrevem os escritores do tempo, eram os mesmos de hoje, isto é, vaguear de terra em terra, roubar quanto podiam, ler a buena dicha, pouca religião, vestidos imundos, rosto trigueiro amarelado, cabelos pretos. A buena dicha juntaram práticas supersticiosas de feitiçaria para melhor armar os efeitos rapinantes.

USOS, COSTUMES, CRENÇAS E RITUAIS

A família é sagrada para os ciganos. Os filhos normalmente representam uma forte fonte de subsistência. As mulheres através da prática de esmolar e da leitura de mãos. Os homens, atingida uma certa idade, são frequentemente iniciados em outras actividades como acompanhar o pai às feiras para ajudá-lo na venda de produtos artesanais.

Além do núcleo familiar, a família extensa, que compreende os parentes com os quais sempre são mantidas relações de convivência no mesmo grupo, comunhão de interesses e de negócios, possuem frequentes contratos, mesmo se as famílias vivem em lugares diferentes.Os ciganos não representam um povo compacto e homogéneo. Mesmo pertencendo a uma única etnia, existe a hipótese de que a migração desde a Índia tenha sido fraccionada no tempo, e que desde a origem fossem divididos em grupos e subgrupos, falando dialectos diferentes.

A forte vocação ao nomadismo de alguns, contra a tendência à sedentarização de outros gera uma série de contrastes que não se limitam a uma simples incapacidade de conviver pacificamente. aos Rom de imigração mais recente, se nota ao invés uma maior tendência à conservação das tradições, da língua e dos costumes próprios dos diversos subgrupos. A sua origem desde países essencialmente agrícolas e ainda industrialmente atrasados (leste europeu) favoreceu certamente a conservação de modos de vida mais consoantes à sua origem. Não é possível, também em razão da variedade constituída pela presença conjunta de vários grupos, fornecer uma explicação detalhada das diversas tradições.Alguns aspectos principais, ligados aos momentos mais importantes da existência, merecem ser descritos, ao menos em linhas gerais.

Antigamente era muito respeitado o período da gravidez e o tempo sucessivo ao nascimento do herdeiro; havia o conceito da impureza coligada ao nascimento, com várias proibições para a parturiente. Hoje a situação não é mais tão rígida; o aleitamento dura muito tempo, às vezes se prolongando por alguns anos.No casamento tende-se a escolher o cônjuge dentro do próprio grupo ou subgrupo, com notáveis vantagens económicas.

Um cigano pode casar-se com uma gadjí, isto é, uma mulher não cigana, a qual deverá porém submeter-se às regras e às tradições ciganas. A importância do dote é fundamental especialmente para os Rom; no grupo dos Sintos se tende a realizar o casamento através da fuga e consequente regularização. Aos filhos é dada uma grande liberdade, mesmo porque logo deverão contribuir com o sustento da família e com o cuidado dos menores.

No que se refere à morte, o luto pelo desaparecimento de um companheiro dura em geral muito tempo. Junto aos Sintos parece prevalecer o costume de queimar-se a kampína (o trailer) e os objectos pertencentes ao defunto. Entre os ritos fúnebres praticados pelos Rom está a pomána, banquete fúnebre no qual se celebra o aniversário da morte de uma pessoa. A abundância do alimento e das bebidas exprimem o desejo de paz e felicidade para o defunto.

Uma criança sempre é bem vinda entre os ciganos. É claro que sua preferência é para os filhos homens, para dar continuidade ao nome da família. A mulher cigana é considerada impura durante os quarenta dias de resguardo após o parto. Logo que uma criança nasce, uma pessoa mais velha, ou da família, prepara um pão feito em casa, semelhante a uma hóstia e um vinho para oferecer ás três fadas do destino, que visitarão a criança no terceiro dia, para designar sua sorte. Esse pão e vinho serão repartidos no dia seguinte com todas as pessoas presentes, principalmente com as crianças. Da mesma forma e com a finalidade de espantar os maus espíritos, a criança recebe um patuá assinalado com uma cruz bordada ou desenhada contendo incenso. O baptismo pode ser feito por qualquer pessoa do grupo e consiste em dar o nome e benzer a criança com água, sal e um galho verde.

O baptismo na igreja não é obrigatório, embora a maioria opte pelo baptismo católico.Desde pequenas, as meninas ciganas costumam ser prometidas em casamento. Os acertos normalmente são feitos pelos pais dos noivos, que decidem unir suas famílias.

O casamento é uma das tradições mais preservadas entre os ciganos, representa a continuidade da raça, por isso o casamento com os não ciganos não é permitido em hipótese alguma. Quando isso acontece a pessoa é excluída do grupo. É pelo casamento que os ciganos entram no mundo dos adultos. Os noivos não podem ter nenhum tipo de intimidade antes do casamento.

Quando o casamento acontece, durante três dias e três noites, os noivos ficam separados dando atenção aos convidados, somente na terceira noite é que podem ficar pela primeira vez a sós. Mesmo assim, a grande maioria dos ciganos, ainda exige a virgindade da noiva.

A noiva deve comprovar a virgindade através da mancha de sangue do lençol que é mostrada a todos no dia seguinte. Caso a noiva não seja virgem, ela pode ser devolvida para os pais e esses terão que pagar uma indemnização para os pais do noivo.No caso da noiva ser virgem, na manhã seguinte do casamento ela se veste com uma roupa tradicional colorida e um lenço na cabeça, simbolizando que é uma mulher casada.

Durante a festa de casamento, os convidados homens, sentam ao redor de uma mesa no chão e com um pão grande sem miolo, recebem dos os presentes dos noivos em dinheiro ou em ouro. Estes são colocados dentro do pão ao mesmo tempo em que os noivos são abençoados. Em troca recebem lenços e flores artificiais para as mulheres. Geralmente a noiva é paga aos pais em moedas de ouro, a quantidade é definida pelo pai da noiva.

Quando os ciganos deixaram o Egipto e a Índia, eles passaram pela Pérsia, Turquia, Arménia, chegando até a Grécia, onde permaneceram por vários séculos antes de se espalharem pelo resto da Europa.A influência trazida do oriente é muito forte na música e na dança cigana.

A música e a dança cigana possuem influência hindu, húngaro, russo, árabe e espanhol. Mas a maior influência na música e na dança cigana dos últimos séculos é sem dúvida espanhola, reflectida no ritmo dos ciganos espanhóis que criaram um novo estilo baseado no flamenco.Alguns grupos de ciganos no Brasil conservam a tradicional música e dança cigana húngara, um reflexo da música do leste europeu com toda influência do violino, que é o mais tradicional símbolo da música cigana.

Liszt e Beethoven buscaram na música cigana inspiração para muitas de suas obras. Tanto a música como a dança cigana sempre exerceram fascínio sobre grandes compositores, pintores e cineastas. Há exemplos na literatura, na poesia e na música de Bizet, Manuel de Falla e Carlos Saura que mostram nas suas obras muito do mistério que envolve a arte, a cultura e a trajectória desse povo.

A música faz parte do núcleo familiar cigano, do processo de socialização primária da criança cigana, e está inclusa nas diferentes formas de construção da identidade de que a criança é sujeito e objeto no seio da família cigana. Constrói espaços de sociabilidade. É um modo de vida.


Os ciganos acreditam na vida após a morte e seguem todos os rituais para aliviar a dor de seus antepassados que partiram. Costumam colocar no caixão da pessoa morta uma moeda para que ela possa pagar o canoeiro a travessia do grande rio que separa a vida da morte.
Antigamente costumava-se enterrar as pessoas com bens de maior valor, mas devido ao grande número de violação de túmulos este costume teve que ser mudado.

Os ciganos não encomendam missa para seus entes queridos, mas oferecem uma cerimónia com água, flores, frutas e suas comidas predilectas, onde esperam que a alma da pessoa falecida compartilhe a cerimónia e se liberte gradativamente das coisas da Terra. As cerimónias fúnebres são chamadas "Pomana" e são feitas periodicamente até completar um ano de morte. Os ciganos costumam fazer oferendas aos seus antepassados também nos túmulos.


A identidade cigana é Homogênea? Diferenciam-se entre si: - Linguística e Culturalmente? - Econômica e Socialmente?

O QUE SABEMOS DOS CIGANOS? :

que falam a língua romani, são divididos em vários os ROM, ou subgrupos, com denominações próprias, como os Kalderash, Matchuaia, Lovara, Curara. São Roma predominantes nos países balcânicos, mas a partir do (homem ou marido) Século XIX migraram também para outros países europeus e para as Américas. que falam a língua sintó e são mais predominam os na Alemanha, Itália e França, onde também SINTI são chamados Manouch. que falam a língua caló, os “ciganos ibéricos”, que os vivem principalmente em Portugal e na Espanha, onde são mais conhecidos como Gitanos, mas que no CALÓ ou decorrer dos tempos se espalharam também por outros países da Europa e foram deportados ou CALÉ migraram inclusive para a América do Sul. (preto).Estes grupos e dezenas de subgrupos, cujos nomes muitas vezes derivam de:

1º Kalderash = caldeireiros
2º Ursari = domadores de ursos
3º Procedência Moldovaia
4º Piemontesi geográfica
5º Os Maias Antepassado Comum

FAMÍLIA

Ao analisar a instituição familiar cigana procuraremos compreender: - As formas de institucionalização: os seus regulamentos próprios, as suas leis, as suas estruturas hierárquicas, as relações de poder. O sistema de diferenciação que permite agir sobre as ações dos outros: o estatuto ou privilégio, as competências ou saber-fazer.As modalidades instrumentais do poder: pelos efeito da palavra, por mecanismos de controle, de vigilância, as regras explicitas ou implícitas. Os objetivos perseguidos com o exercício do poder: manutenção de privilégios e pôr em ação a autoridade.Matriz Cultural Matrimônio Homens de Respeito /virgindade Luto / Pomana Representação da Trabalho étnico Sociedade “Pailha” Musica Leis Ciganas / Kris Família Extensa Mahrimé Respeito pelos Respeito pelos Territórios Mortos Língua Romanó / CalóOs casamento são feitos por iniciativa dos pais, sem consulta dos filhos, e só se prmite o casamento por iniciativa dos jovens desde que não exista oposição dos pais.Casamento em que predomina a “fuga”, por exemplo gosta de outra pessoa, já não está virgem etc.Família Extensa a família extensa prioritária sobre qualquer outros vínculos sociais. A família extensa engloba todos os indivíduos da extensa mesma linhagem (parentes consanguíneos ou afins). Família Nuclear (pais e filhos) – em situações de conflito - tem prioridade sobre todos os outros vínculos sociais.

MORTE

O luto que une toda a comunidade na dor dor - Pomana (ritos funerários) o respeito pelos mortos, e quando a eles se referem dizem sempre: “ que Deus o tenha ... ( em descanso)” É a pior ofensa que superstição se pode fazer a um cigano é “renegar “Manton” os seus mortos”, o cabelo é Raspado. Lamentos e gritos de dor Ritos Fúnebres.

RESPEITO

Homens de Respeito o enobrecimento dos “homens de respeito” (mais velhos) - os tios; Isto não significa que a condução dos destinos das comunidades ciganas esteja nas mãos da gerontocracia a quem se obedece de forma submissa. Não poderemos confundir respeito com submissão.


CURIOSIDADES

Mahrimé A impureza inerente a certos momentos da vida sexual – menstruação, partos. Interditos Mas não só... Papusza (Boneca) Polónia Uma das maiores poetas e cantoras de todos os tempos. Livros que incluía poemas seus. Depois da publicação do livro foi levada a julgamento e foi declarada Mahrimé. Passou 8 meses no hospital psiquiátrico de Silésia, depois durante 34 anos, até a sua morte em 1987, viveu sozinha e isolada. Cobras, ratos, sapos e outros que se poleiem lambendo-se são considerados mahriméLeis Ciganas / Kris As “leis ciganas” que imergem do seu direito consuetudinário. A Kris é uma assembleia/tribunal que reúne os tios/homens de respeito para dirimir situações de conflitos entre famílias, pessoas etc. Proibir a emancipação Oswaldo Macedo Brasileiro - DOIS EXEMPLOS: médico com 70 anos conta: que dos indivíduos, em quando pretendeu candidatar-se a favor da preservação medicina foi-lhe dito que não do grupo. poderia porque seria mahrimé. O caso foi levado à Kris. A sua avó defende-o dizendo que ele para O caso de Papusza fazer cirurgias teria que usar luvas, logo... Não era mahrimé. ...o kris romani, uma espécie de tribunal cigano, sempre apresentado como algo tipicamente “cigano”, quando, na realidade é um elemento cultural apenas dos Kalderash, que o tomaram emprestado da sociedade rural romena, e que não existiria nem entre os ciganos Rom Lovara e é desconhecido também entre os Sinti e Caló


LÍNGUA

A Língua Romanó / Caló a língua romanó/caló elemento de união identificador e de pertença (nacional e transnacional); El Kralis há nicobado la liri de los cales.O rei destruiu a lei dos ciganos - Referem-se a Carlos III que considerou todos os ciganos “Castelhanos Novos” com direitos iguais aos outros. Foi proibido o uso da palavra cigano. línguas derivadas do Latim Desde o Século XVIII costuma-se atribuir aos Algo semelhante à atual comunicação entre franceses, ciganos apenas uma única língua, comum a italianos, espanhóis, portugueses e brasileiros, que todos, a língua romani, parcialmente de falam línguas derivadas do Latim: muitas palavras podem origem indiana, embora esta tenha também ser entendidas por todos, principalmente quando escritas, inúmeras palavras de origem persa, turca, mas a comunicação verbal na maioria das vezes é difícil, grega, romena e de outros países por onde quando não impossível. passaram. Dialetos línguas derivadas do Romani Algo semelhante à atual comunicação entre franceses, italianos, espanhóis, portugueses e brasileiros, que todos Na realidade, os ciganos falam várias falam línguas derivadas do Latim: muitas palavras podem línguas ou dialetos que, apesar de terem ser entendidas por todos, principalmente quando escritas, aparentemente uma origem em comum, hoje mas a comunicação verbal na maioria das vezes é difícil, apresentam profundas variações regionais quando não impossível.

O ESTERIÓTIPO E SUA DISSOCIAÇÃO NO DECORRER DO TEMPO!!!


A busca para mostrar como a tradição cultural cigana tem sido capaz de estabelecer uma identidade dinâmica e performativa a despeito de sua complexa diversidade. Sustenta-se que o termo "cigano" é, na realidade, um estereótipo elaborado com base em representações coletivas, experimentadas por indivíduos de diferentes tradições culturais ao longo de séculos amente na situação de contato inscrevem e assumem distinções (diacríticos e fronteiras) coletivas, parece fortalecer a noção de "unidade na diversidade". O nomadismo cigano opera como uma representação resultante da fusão de discursos mitológico-científicos e práticas sociais cotidianas: de um lado, o nomadismo é o resultado aterrorizante de constantes perseguições e exílios que se inscrevem no corpo dos indivíduos e reforçam a identidade pela experiência comum da diferença; de outro, o nomadismo reforça a alteridade quando se inscreve no campo das relações interétnicas como experiência coletiva comum de deslocamento no espaço físico e social.Na história dos chamados ciganos, também experimentamos e imaginamos uma tradição cultural complexa com base em representações, memórias e impressões cristalizadas em uma consciência coletiva.Porque a imagem do "cigano" é o espelho em negativo da sociedade ocidental, sedentária e moderna, que inscreve seus diacríticos no corpo do indivíduo (e seu grupo) e, portanto, nomeia à força da opressão física e simbólica o espaço marginal destinado àqueles que perderam a luta antes mesmo de terem reconhecido sua posição no jogo ( Pierre Bourdieu, 2003).Assim, o cigano é tido e visto como selvagem – um mau selvagem, desde os primeiros contatos no Ocidente, identificado como sarraceno imoral, ignorante e herege, facínora e covarde. Na melhor das hipóteses, o estereótipo cigano negociado com o imaginário gadjo, em geral, sustenta a figura de um indivíduo indolente, bárbaro e perigoso (Hancock, 1987; Willems & Lucassen, 1990, pp. 33-4). Um aparente paradoxo, pois os roma parecem tão habituados a lidar com o estereótipo cigano e toda a violência simbólica associada a ele que, ao se depararem com novas relações e representações, se retraem, observam e encenam uma nova forma de convivência pouco usual – depois de um difícil período no campo, de grande aversão, indiferença e estratégias de dissimulação (nos quais o que consideraríamos "mentira" constitui performance repetitiva), os roma podem se acostumar com a presença de um gadjo impertinente que, pelo menos, parece lhes reconhecer o devido grau de humanidade. No caso dos "ciganos", encontramos um discurso "classificatório" das pessoas e dos grupos em categorias separadas (ciganos e não-ciganos, hereges e cristãos, primitivos e modernos), que orienta o conjunto das práticas discriminatórias violentas contra os peripatéticos. Portanto, a tradição cultural roma não pode ser dissociada do seu decorrer histórico. Tais impressões convergentes podem ser identificadas como imagens exóticas, freqüentemente caracterizadas por atributos negativos, como o cigano herege (heathens) ou nômade. Assim, por exemplo, Piasere e Campigotto (1990) analisaram as transformações das imagens sobre os ciganos a partir da literatura renascentista italiana, apontando as personagens emblemáticas de Margutte e Cingar, indivíduos amorais, selvagens e infiéis que se fundiram à personagem exótica e ambígua do cigano no século XVI.


ALGUMAS INTERPRETAÇÕES NA LITERATURA:

um cronista do século XV que escreve, no Diário de um burguês em Paris, que os recém-chegados ciganos[...] eram os mais pobres seres que jamais haviam chegado à França, segundo se recorda. E, apesar de sua pobreza, seguiam em sua companhia as bruxas que olhavam as mãos das pessoas e que diziam o que havia acontecido ou o que iria acontecer [...]. E o pior era que, falando das criaturas, por arte da magia ou de outro modo, pelo inimigo do inferno ou por artimanhas e outras habilidades, esvaziavam as bolsas das pessoas e enchiam as suas, segundo se dizia. A bem da verdade, estive lá três ou quatro vezes para lhes falar, porém nunca me dei conta de haver perdido um só centavo, nem os vi lerem as mãos, mas assim diziam por todas as partes [...]. Afinal, tiveram de ir embora, e partiram no dia de Nossa Senhora, em setembro, seguindo para Pontoise. (Liégeois, 1988, p. 43, grifos meus) Numa das crônicas da época, a Cronaca Fermana, é relatada a chegada a Fermo, em 1430, "de certas pessoas conhecidas como zengari[...] elas tinham privilégios papais e imperiais [...] e eram pessoas muito vis que tentavam defraudar e iludir qualquer pessoa que pudessem. Diziam ser quiromantes e, quando podiam, roubavam tudo de uma só vez" (ibid.). As teses de Grellmann derrubaram um mito mas criaram outro. Se os ciganos compunham um grupo cultural original da Índia, o que importava era o fato de constituírem desde o princípio uma raça de degenerados. Por isso, segundo Grellmann, assemelhavam-se tanto aos párias da sociedade indiana." Uma pele escura, baixa estatura, crianças nuas, moradia em tendas, preferência por roupas encarnadas, uma língua secreta, danças sensuais, endogamia; indivíduos sujos e horrorosos, medrosos e covardes, ladrões, mentirosos, sem noção do pecado [...], as mulheres tinham uma conduta imoral [...]." às classes baixas, tornaram-se indivíduos racialmente degenerados, justificando a assimilação ou o extermínio desses grupos estranhos (Moonen, 1996, pp. 31-2).


MAIS PRÉ - CONCEITOS JÁ ANALISADOS:

A condenação moral dos ciganos como indivíduos perversos, hereges e selvagens e, conseqüentemente, a suposição de banditismo, violência e vagabundagem tomaram contornos definitivos ao longo dos séculos XVI e XVII, graças à incorporação dessas representações populares sobre os ciganos na literatura e nas caracterizações artísticas do início da Idade Moderna. Contudo, as imagens sobre os ciganos não foram difundidas e cristalizadas no imaginário popular apenas pelos depoimentos de cronistas e jornalistas, ou pelas histórias e narrativas construídas pelos escritores da época. Muitas das representações coletivas que fundamentam as relações entre ciganos e não-ciganos, atualmente, foram elaboradas a partir dos discursos acadêmicos e científicos desenvolvidos desde o período renascentista. Grellmann fundamentou sua noção da ascendência indiana dos ciganos atuais em dois fatores: o primeiro, compreendendo os estudos lingüísticos comparativos que, de acordo com Grellman, indicavam uma grande afinidade entre a língua romani dos ciganos e as línguas derivadas do hindustani. O segundo fator se baseia nos relatos de viajantes lidos por Grellmann, que davam conta da existência de uma casta de párias [...], dos quais a cor, a forma, o caráter, a moral e os costumes apresentavam muitas semelhanças com as imagens que ele tinha dos ciganos e de seu modo de vida. (Willems & Lucassen, 1990, p. 33) As suposições de Grellman a respeito da origem indiana dos ciganos, embora corretas, contribuíram para a invenção de outros estereótipos apresentados sutilmente por meio do discurso científico, montado sobre as teorias e os conceitos dos nascentes estudos lingüísticos. Pela primeira vez encontramos a caracterização étnica dos ciganos, ou ao menos a idéia de que estes possuíam uma tradição cultural singular e autônoma, já que a descoberta de um lar localizado na região centro-oeste do território indiano "não deixava dúvidas" quanto à sua herança cultural. Até então, muitos intelectuais e autoridades públicas supunham que os ciganos na realidade faziam parte de uma classe de seres degenerados socialmente, misturados a mendigos, vagabundos, pequenos ladrões, loucos e tantos outros marginais sociais produzidos pela sociedade medieval e pré-capitalista.

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